
Todas as noites, enquanto dormimos, nosso cérebro cria narrativas complexas e misteriosas. Entre as experiências mais comuns estão os sonhos com rostos conhecidos: amigos distantes, parentes que já partiram ou até mesmo aquela pessoa com quem não falamos há anos. O que explica essa recorrência de figuras do passado em nossos sonhos? A resposta está na maneira como o cérebro processa informações, emoções e memórias durante o sono.
Durante o sono REM (movimento rápido dos olhos, em português), a atividade cerebral atinge níveis próximos aos do estado de vigília. É nessa fase que os sonhos se tornam mais vívidos e detalhados. Pesquisas indicam que, nesse momento, o cérebro está ocupado organizando memórias, filtrando experiências do dia e até mesmo ajudando a resolver problemas de forma indireta. Não é à toa que, ao acordar, muitas pessoas têm insights ou se lembram de situações que pareciam esquecidas.
Um estudo da Academia Americana de Medicina do Sono (AASM), publicado em junho de 2021, revelou dados intrigantes. Após analisar relatos de sonhos, os pesquisadores descobriram que 53,5% deles estavam diretamente ligados a lembranças reais. Além disso, quase metade dessas memórias envolviam múltiplas experiências passadas, misturando pessoas, lugares e eventos de diferentes épocas da vida. Isso explica por que, em um único sonho, podemos ver uma antiga professora do ensino fundamental conversando com um colega de trabalho atual em uma praia que visitamos na infância.

Experiências com forte carga emocional podem estar presentes nos sonhos.
Segundo Erin Wamsley, neurocientista cognitiva e autora do estudo, os sonhos não são meras repetições do passado. Eles funcionam como uma colagem de fragmentos de memória, combinados de maneira criativa para simular cenários que podem preparar a mente para desafios futuros. Ou seja, sonhar com alguém do passado não é necessariamente uma mensagem cifrada, mas parte de um processo natural de reorganização mental.
As Pistas da Psicologia
A psicologia oferece diversas perspectivas para entender por que certas pessoas ressurgem em nossos sonhos. Uma das teorias mais conhecidas é a de Sigmund Freud, que via os sonhos como uma janela para o inconsciente. Embora algumas de suas ideias sejam contestadas hoje, parte de seu legado ainda ajuda a explicar fenômenos comuns:
- Memórias que resistem ao tempo: Pessoas que marcaram nossa trajetória, mesmo que não façam mais parte do cotidiano, deixam rastros emocionais. O cérebro pode resgatar essas lembranças durante o sono, especialmente se associadas a sentimentos intensos, como amor, perda ou frustração.
- Emoções não resolvidas: Sonhar com um ex-parceiro ou um amigo distante pode indicar que há questões emocionais pendentes. O inconsciente, nesses casos, tenta “ensaiar” diálogos ou situações que não ocorreram na vida real, como uma forma simbólica de elaborar conflitos.
- Associações inesperadas: Às vezes, uma música, um cheiro ou uma conversa do dia pode ativar memórias antigas sem que percebamos. Esses gatilhos sensoriais reaparecem nos sonhos, trazendo personagens que pareciam esquecidos.
- Símbolos do subconsciente: Nem sempre a pessoa que aparece no sonho representa ela mesma. Ela pode encarnar uma característica (como coragem ou insegurança) ou simbolizar uma fase da vida que está sendo revisitada mentalmente.
A Ciência que Estuda os Sonhos
A onirologia, área dedicada ao estudo científico dos sonhos, utiliza tecnologias como eletroencefalogramas (EEG) e polissonografia para monitorar a atividade cerebral durante o sono. Esses exames registram desde as ondas elétricas do cérebro até os movimentos oculares, ajudando a identificar padrões ligados a diferentes fases do sono e tipos de sonho.
Um dos avanços recentes dessa disciplina é a compreensão de como os sonhos contribuem para a consolidação da memória. Durante o REM, o hipocampo — região cerebral ligada à formação de lembranças — trabalha em conjunto com o córtex para “arquivar” informações importantes e descartar dados irrelevantes. Esse processo explica por que eventos recentes se misturam a memórias antigas nos sonhos, criando histórias que, embora estranhas, têm raízes em experiências reais.

O estudo dos sonhos evoluiu ao longo dos anos e do método científico.
Além disso, a onirologia investiga como distúrbios do sono, como pesadelos recorrentes ou parassonias, estão relacionados a traumas ou estresse. Por exemplo, pessoas com ansiedade tendem a ter sonhos mais caóticos, enquanto aquelas em processo de luto podem reviver situações com entes queridos falecidos.
Sonhar é Universal, Mas Cada Mente é Única
Apesar dos avanços científicos, os sonhos continuam sendo um território cheio de mistérios. Cada pessoa tem uma bagagem emocional e um repertório de memórias único, o que torna a interpretação dos sonhos um desafio complexo. Enquanto para alguns, sonhar com um amigo de infância pode ser apenas um reflexo de saudade, para outros, pode ser um indício de que algo em sua vida atual ressoa com experiências passadas.
O fascínio pelos sonhos persiste porque eles revelam a capacidade extraordinária do cérebro de criar, adaptar e se reinventar — mesmo quando estamos imersos no silêncio da noite. Seja qual for o significado por trás das imagens que povoam nosso sono, uma coisa é certa: elas são um testemunho da riqueza e da complexidade da mente humana.
Esse O que significa sonhar com alguém que você não vê há tempos, segundo a Psicologia? foi publicado primeiro no Misterios do Mundo. Cópias não são autorizadas.