A Anatel e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) publicaram um relatório conjunto que trata do risco sistêmico enfrentado pelo setor de cabos submarinos no país. No documento, sinalizam com a necessidade de criação de zonas de proteção para essas infraestruturas críticas que conectam o Brasil à internet global. O documento alerta para vulnerabilidades físicas em pontos de aterragem e cobra medidas preventivas para assegurar a resiliência da infraestrutura crítica de telecomunicações.
Segundo o Informe nº 192/2023/COQL/SCO, assinado em 27 de março de 2025, os cabos submarinos são infraestruturas críticas, com potencial de provocar “sério impacto social, ambiental, econômico, político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade” em caso de falha ou sabotagem.
97% do tráfego passa por cabos submarinos
O relatório destaca que os cabos submarinos são responsáveis por “mais de 97% do tráfego de dados” da internet entre continentes e que “eventuais danos às operações destes ativos poderiam gerar impactos em grande quantidade de serviços viabilizados pela internet”.
Hoje, o Brasil conta com 16 cabos submarinos ativos, de acordo com levantamento da Anatel. A cidade de Fortaleza é um dos maiores hubs do mundo para esse tipo de infraestrutura, com mais de dez data centers instalados na Praia do Futuro. Praia Grande (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA) também concentram estações de aterragem.
Ameaças locais e internacionais
Entre as principais ameaças físicas listadas, o relatório cita a “presença em vias públicas”, como no caso dos beach manholes (BMHs), pontos de ancoragem que podem ser confundidos com bueiros comuns. Obras civis em áreas urbanas e marítimas, como pavimentações e escavações em praias, também foram apontadas como recorrentes causas de rompimentos.
“São comuns os relatos de rompimentos de fibras óticas decorrentes de escavações, pavimentações e dragagens”, registra o relatório.
Do ponto de vista internacional, o documento menciona que 87% dos incidentes com cabos são causados por ação humana — com destaque para pesca, ancoragem de navios e obras marítimas —, segundo dados da agência europeia ENISA. Ainda que ações maliciosas sejam menos frequentes, o risco de sabotagem ou espionagem não é descartado pelas autoridades.
Recomendações e comparação com outros países
A Anatel e o GSI recomendam que o Brasil adote medidas semelhantes às implementadas na Austrália e Nova Zelândia, onde há “zonas de proteção de cabos” com regras claras sobre o que pode ou não ser realizado nas áreas onde há infraestrutura submarina.
No total, 17 recomendações foram listadas no relatório:
-
Detecção e Notificação de Incidentes
Garantir que qualquer incidente que afete cabos submarinos e Estações de Aterragem (CLS) seja detectado e notificado às autoridades competentes, com uso de sistemas automatizados e centralizados de alerta precoce. -
Proteção contra Ameaças Físicas
Implementar salvaguardas físicas nas BMHs, CLSs e nos sistemas de gerenciamento de redes, como câmeras, sensores e barreiras físicas. -
Redundância e Monitoramento
Evitar pontos únicos de falha por meio de redundância adequada nos serviços essenciais das CLSs e fortalecer o monitoramento contínuo. -
Proteção de Cabos em Águas Rasas
Atualizar dados de geolocalização e enterrar cabos em águas rasas sempre que possível. -
Avaliações Regulares de Risco
Realizar exercícios de segurança, mapeamentos e avaliações periódicas de vulnerabilidades, segundo boas práticas internacionais. -
Manutenções Preventivas
Executar ações regulares de manutenção preventiva para prolongar a vida útil dos cabos e prevenir falhas. -
Plano de Resposta a Incidentes
Desenvolver planos de resposta e recuperação, com definição clara de responsabilidades entre os envolvidos. -
Diversificação de Rotas e Tipos de Cabos
Evitar concentração de rotas e promover diversidade física e lógica nas futuras instalações. -
Colaboração Nacional
Fomentar articulação entre órgãos públicos e setor privado, mitigando conflitos de competência e riscos como vandalismo e interferência civil. -
Colaboração Transnacional
Estabelecer cooperação internacional com troca de informações, boas práticas e recursos para manutenção e resposta a emergências. -
Adequação do Arcabouço Regulamentar Nacional
Estabelecer regras básicas de resiliência envolvendo todas as autoridades competentes. -
Acordos Internacionais
Promover tratados multilaterais que respeitem a soberania nacional e adaptem a regulação à realidade tecnológica atual. -
Investimentos em Segurança e Resiliência
Priorizar tecnologias de detecção de ameaças e sistemas de monitoramento para robustecer a infraestrutura. -
Formação de Especialistas
Capacitar profissionais em segurança de cabos submarinos, manutenção, cibersegurança e reparo técnico. -
Parcerias Público-Privadas (PPPs)
Avaliar formação de PPPs para proteção e manutenção das infraestruturas, com compartilhamento de custos e responsabilidades. -
Licenciamento
Incluir critérios de proteção de cabos submarinos em processos de licenciamento urbano e marítimo, especialmente em áreas adjacentes. -
Conscientização Pública
Promover campanhas de conscientização para a sociedade e autoridades sobre a importância dos cabos submarinos e suas vulnerabilidades.
O relatório também sugere a inclusão do tema em licenças urbanas e offshore e a formação de parcerias público-privadas. “Promover e celebrar acordos multilaterais que respeitem a soberania nacional” também é uma das propostas, para adequar o arcabouço jurídico à realidade tecnológica atual.
Visitas técnicas e próximos passos
Para embasar as recomendações, a Anatel e o GSI realizaram visitas técnicas a Fortaleza, Rio de Janeiro, Praia Grande e até Portugal, onde conheceram práticas adotadas pela autoridade reguladora ANACOM. Em Fortaleza, o foco foi a Praia do Futuro. No Rio, visitou-se a operação da Claro. Já em Praia Grande, a comitiva conheceu instalações de V.tal, Telxius e Cirion.
O documento recomenda a notificação de todos os stakeholders, incluindo operadoras, reguladores e órgãos licenciadores, para que as ações possam ser discutidas e implementadas com prioridade.
O post No Brasil, maior risco aos cabos submarinos está em terra apareceu primeiro em TeleSíntese.