Comprovar vida extraterrestre exige muito mais que detectar sinais

Recentemente, a descoberta em outro planeta de uma molécula que, na Terra, só existe em organismos vivos reacendeu o debate sobre vida extraterrestre. O achado se deu na atmosfera do exoplaneta K2-18b, a partir de observações feitas pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA. 

A molécula identificada foi o sulfeto de dimetila, que aqui na Terra está associada a seres vivos marinhos. No entanto, apesar da empolgação, a ciência ainda está longe de confirmar vida extraterrestre.

Detectar vida fora da Terra seria uma das maiores descobertas da humanidade. Estima-se que só na Via Láctea existam centenas de milhões de planetas com condições parecidas com as da Terra. Por isso, astrônomos têm usado telescópios avançados para analisar atmosferas de exoplanetas, procurando por sinais de possíveis formas de vida.

Via Láctea
Só na Via Láctea, há centenas de milhões de planetas com condições semelhantes às da Terra. Crédito: Structuresxx – Shutterstock

O caso do planeta K2-18b gerou grande expectativa. Um artigo publicado em abril de 2025 afirmou ter detectado uma possível “assinatura biológica” em sua atmosfera. No entanto, os próprios autores foram cautelosos ao divulgar o achado. Eles destacaram que a presença da molécula não é uma prova definitiva de que há vida por lá.

“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”

A frase “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, do astrônomo Carl Sagan, se aplica bem a essa situação. Descobrir vida alienígena exigiria provas muito fortes, que eliminassem qualquer outra explicação possível. E, até agora, esse nível de certeza ainda não foi alcançado.

Em um artigo publicado no site The Conversation, Chris Impey, professor de astronomia da Universidade do Arizona, nos EUA, explica que para que um resultado científico seja considerado confiável, ele precisa atender a três critérios básicos:

  • a descoberta precisa ser relevante;
  • o sinal precisa ser forte o suficiente para não ser confundido com ruídos;
  • o achado deve ser repetido por diferentes métodos ou equipes.

No caso do K2-18b, o primeiro critério foi atendido. Detectar uma substância ligada à vida é, de fato, significativo. A molécula encontrada, o sulfeto de dimetila, é produzida na Terra principalmente por plânctons e bactérias dos oceanos. Porém, ela também pode surgir por processos não biológicos, o que enfraquece a conclusão.

Espectro de transmissão do exoplaneta K2-18 b da zona habitável usando o espectrógrafo JWST MIRI. Créditos: A. Smith, N. Madhusudhan

O segundo critério, da força do sinal, é mais delicado. A detecção do sulfeto de dimetila teve uma significância de 3-sigma. Isso quer dizer que há 0,3% de chance do sinal ter surgido por acaso. Pode parecer pouco, mas, para a ciência, isso ainda é considerado um resultado fraco.

Em áreas como a física de partículas, a exigência costuma ser mais alta. A descoberta do bóson de Higgs, por exemplo, só foi anunciada após alcançar um nível de 5-sigma – ou seja, com apenas 0,00006% de chance de erro. Esse é o chamado “padrão ouro” da ciência.

O terceiro critério é a repetição. Um resultado só é confiável quando é confirmado por outros estudos, usando instrumentos diferentes ou técnicas variadas. No caso de K2-18b, seria necessário encontrar outras moléculas ligadas à vida, como o oxigênio. Até o momento, isso não aconteceu.

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Outros possíveis sinais de vida extraterrestre já foram detectados

Ao longo da história, outras alegações de vida extraterrestre também geraram entusiasmo, mas não resistiram à apuração científica. Um exemplo clássico foi a teoria de canais artificiais em Marte, proposta no século XIX. O astrônomo Percival Lowell acreditava ter visto obras de uma civilização marciana. No entanto, outros cientistas não conseguiram confirmar suas observações.

Outro caso famoso ocorreu em 1996, quando a NASA apresentou um meteorito vindo de Marte com supostos “microfósseis”. As imagens do objeto pareciam mostrar sinais de vida microscópica. Contudo, análises posteriores mostraram que as formações podiam ser explicadas por processos químicos naturais.

Mais recentemente, detectou-se metano na atmosfera de Marte. Na Terra, essa substância é produzida principalmente por seres vivos. Mas ela também pode surgir de forma geológica. O problema é que diferentes instrumentos registraram níveis variados de metano, e nem sempre essas medições se confirmam entre si.

Mapa mineral de Marte produzido pelo Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) da NASA, com base em dados coletados pelo instrumento CRISM. O quadrado amarelo indica a região de Nili Fossae, onde a sonda descobriu ser uma fonte de plumas de metano. Crédito: NASA/JPL-Caltech/JHU-APL

Assim como o sulfeto de dimetila em K2-18b, o metano em Marte é intrigante, mas ainda está longe de ser uma prova definitiva. Os cientistas continuam investigando, mas com cautela. Enquanto não houver evidência mais robusta, não se pode afirmar que há vida em Marte.

Busca por vida alienígena já dura mais de 75 anos

Se encontrar vida microbiana já seria um marco, detectar civilizações alienígenas seria algo ainda mais impressionante. A busca por inteligência extraterrestre, chamada SETI, existe há cerca de 75 anos. Até hoje, nenhum sinal claro de comunicação foi detectado.

Em 1977, um telescópio nos EUA captou um sinal forte e estranho que durou um minuto. O sinal ficou conhecido como “Uau!” porque o astrônomo que o registrou escreveu essa expressão (em inglês) na anotação. Nunca mais foi observado algo parecido naquela região do céu, o que compromete sua credibilidade.

Outro caso curioso é o objeto interestelar chamado ‘Oumuamua, detectado em 2017. Ele tinha formato alongado e se movia de forma incomum. Alguns cientistas sugeriram que poderia ser uma nave alienígena. No entanto, a maioria dos estudos indica que se tratava apenas de um cometa de origem interestelar.

Mesmo assim, a possibilidade de vida fora da Terra continua fascinando a comunidade científica. Muitos pesquisadores acreditam que não estamos sozinhos, considerando a imensidão do Universo e a grande quantidade de planetas habitáveis. Mas, até hoje, nenhuma evidência passou nos testes exigentes da ciência.

Oumuamua (Crédito: ESO/M. Kornmesser)
‘Oumuamua, objeto interestelar descoberto no Sistema Solar em 2017. Crédito: ESO/M. Kornmesser

Esses critérios rigorosos não valem só para vida extraterrestre. Eles também são aplicados em estudos sobre o próprio Universo. Um exemplo de erro ocorreu em 2014, quando astrônomos afirmaram ter encontrado sinais de um período de expansão rápida do Universo, chamado inflação. Depois, descobriu-se que o sinal vinha da poeira da nossa galáxia.

Em contrapartida, a descoberta de que o Universo está se expandindo cada vez mais rápido é considerada confiável. Em 1998, dois grupos de cientistas chegaram a esse resultado de forma independente, usando diferentes supernovas. A confirmação mútua deu força à teoria, e os pesquisadores receberam o Prêmio Nobel em 2011.

Em todas as áreas, da cosmologia à astrobiologia, a ciência avança com base em provas sólidas e verificáveis. Detectar vida fora da Terra exigirá mais que entusiasmo – será preciso evidência que resista ao teste do tempo, dos instrumentos e da razão.

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