Nos anos de 1970, o jornalista Carlos Rocque começou a se empenhar apaixonadamente para que os paraenses não se esquecessem das monstruosidades cometidas contra Antônio Lemos, antigo intendente que deixou em Belém uma lista infindável de obras.
Monstruosidades em cujas ocorrências, hoje esquecidas, são até difíceis de acreditar.
Pois, foi nas gestões de Antônio Lemos que a cidade se tornou a terceira capital mais importante do país.
E durante 50 anos, muitas das realizações dele despertaram orgulho nos belenenses.
Entre as quais:
1) A plantação de milhares de árvores que deu origem ao apelido de “Cidade das Mangueiras”.
2) As belas praças, como as da República e de Batista Campos.
3) O primeiro sistema de transporte coletivo – os bondes elétricos.
4) A instalação de energia elétrica na cidade que vivia às escuras.
5)A construção de sua rede de esgoto.
6) A implantação de um novo bairro, o do Marco, com ruas inteiramente planejadas.
7) Os calçamentos das ruas
8) A criação do Serviço Sanitário.
9) A importação da estrutura de ferro do Mercado de Ferro instalada no Ver-o-Peso.
10) O luxuoso prédio de acolhimento de mendigos – o Asilo da Mendicidade -, na Almirante Barroso.
11) O refinado necrotério no Ver-o-Peso.
12) O forno crematório inglês que deu origem à denominação de seu bairro – Cremação.
13) O higiênico Matadouro Municipal.
14) O aparelhamento do Corpo de Bombeiros.
15) A rede de quiosques criada por Francisco Bolonha, um dos quais está no Bar do Parque
16) A reforma do Bosque Municipal.
17) A construção de um quilômetro e meio de cais de Belém.
18) A implantação na capital do Pará de um dos jornais mais importantes do continente sul-americano, A Província do Pará
Para manter viva a lembrança do terrível drama vivido por Antônio Lemos Carlos Rocque estava preparado.
Afinal, foi Rocque quem deixou para o Pará a mais importante produção já surgida no âmbito do Jornalismo Cultural local: duas enciclopédias sobre cultura amazônica, e, livros sobre a política regional, os municípios do Pará, a Cabanagem, o Círio e a Festa de Nazaré.
Além da melhor obra escrita até hoje sobre Magalhães Barata.
Ao jornal de Lemos, Rocque dedicou um livro inteiro.
Naqueles anos de 1970, o jornalista pesquisador já estava ligado, havia quase uma década, a “A Província do Pará”.
Ao jornal permaneceria associado por mais trinta anos, até “A Província do Pará” ser extinta, no início deste século.
Por isto, ele pôde ter acesso privilegiado aos seus arquivos e acervos fotográficos.
Assim, ninguém se surpreendeu, quando, em 1973, ele apresentou a melhor pesquisa já realizada sobre Lemos, num livro preparado em apenas dois meses, intitulado “Antônio Lemos e sua época – História Política do Pará”.
Neste trabalho, Rocque desdenhou dos escritores que escreveram sobre o intendente para adulá-lo.
E deu guarida no livro a todas as críticas feitas pelos antilemistas.
Lemos – diziam eles – contraiu muitas dívidas.
Retribuiu com cargos públicos e monopólios dos serviços públicos quem lhe deu presentes de aniversário caros.
Criou um grupo de capangas.
Rocque, porém, sustentou: de qualquer forma, no período em que Lemos comandou a política do Pará, o estado quintuplicou sua arrecadação.
As concessões de monopólios não trouxeram necessariamente prejuízos a Belém.
E capangas, certamente, seus inimigos tinham em maior número.
Este último argumento ficou comprovado quando, em 1912, fechou-se em torno de Lemos o cerco formado pelas forças políticas que se opunham à sua liderança.
Aquela frente, formada por inimigos políticos de Lemos, queria a expulsão dele do Pará, naquele momento, no qual seus mandatos frente à intendência municipal já tinham sido concluídos.
A frente era apoiada pelo governador João Coelho, uma pessoa que havia sido de absoluta confiança de Lemos, e, seu secretário, por 12 anos.
Pelo novo intendente de Belém, Virgílio Mendonça.
E pelo Centro de Resistência ao Lemismo, chefiado por César Coutinho de Oliveira.
Contra Lemos, eles desencadearam uma campanha furiosa, sob o comando do jornalista Paulo Maranhão, mantendo-a através de quatro jornais – a Folha do Norte, O Estado do Pará, A Capital, e, Critério.
Com a campanha, boa parte da população de Belém se deixou convencer de que Lemos ordenara o assassinato de um ex-governador querido pelos paraenses, Lauro Sodré.
De fato, o que Sodré sofrera fora um falso atentado, forjado pelos inimigos do antigo intendente.
Na campanha de liquidação política e física de Lemos, os antilemistas programaram uma manifestação diante do prédio de “A Província do Pará” para que a população, enraivecida, o destruísse, incendiando-o.
O que, de fato, aconteceu.
Depois, a multidão foi conduzida até a residência de Lemos, na Rua Gentil Bittencourt.
Lá, queimou também a casa dele, e, destruiu todos os seus objetos pessoais e suas obras de artes.
Lemos, com 69 anos de idade,teve de buscar abrigo na moradia de um vizinho.
Mas foi arrancado desta casa.
E levado à força para as ruas.
Para ser conduzido até a residência de Virgílio Mendonça.
No caminho – “com a roupa rasgada, a cabeça ao léu, cheia de terra”, descreve Rocque no seu livro, foi apalpado em partes íntimas, cuspido e empurrado.
Na casa de Mendonça, Lemos foi forçado a renunciar ao único cargo político que ainda lhe restava, o de senador estadual.
Depois disto, não pôde mais ficar no Pará.
Quando ia embarcar no navio que o levou ao Rio foi vaiado.
No Rio, Lemos viveu mais um ano.
Deprimido, morreu, em 1913.
Nem assim, o ódio contra ele amainou.
Seus restos mortais, só sessenta 60 anos depois de sua morte, puderam ser trazidos para Belém, em 1973.
Numa iniciativa do prefeito Nélio Lobato, apoiada pelo governador Fernando Guilhon.
Carlos Rocque ajudou a transportar sua urna mortuária, como mostra a foto que ilustra este texto, na qual ele aparece assinalado por um círculo.
Por fim, os restos mortais de Lemos puderam ser enterrados no prédio em que ele trabalhou como intendente – hoje, o Palácio Antônio Lemos.
Rocque continuou a fazer perguntas sobre Lemos, até ele morrer, no ano 2000.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
Belém Destroyed Its Greatest Mayor
In the 1970s, journalist Carlos Rocque passionately dedicated himself to ensuring that the people of Pará would not forget the atrocities committed against Antônio Lemos, a former mayor who left an indelible mark on Belém with an extensive list of achievements. These atrocities, now largely forgotten, are almost hard to believe.
During Antônio Lemos’s tenure, Belém became the third most important capital in Brazil. For 50 years, many of his accomplishments filled the people of Belém with pride. These include:
- The planting of thousands of trees, earning Belém the nickname “City of Mango Trees.”
- The creation of beautiful squares, such as Praça da República and Praça Batista Campos.
- The introduction of the first public transportation system—electric trams.
- The installation of electric lighting in a city previously shrouded in darkness.
- The construction of the city’s sewage system.
- The development of a new planned neighborhood, Marco, with carefully designed streets.
- The paving of city streets.
- The establishment of the Sanitary Service.
- The importation of the iron structure for the Mercado de Ferro, installed at Ver-o-Peso.
- The luxurious building for the homeless, the Asilo da Mendicidade, on Almirante Barroso.
- The refined morgue at Ver-o-Peso.
- The English crematory oven, which gave the Cremação neighborhood its name.
- The hygienic Municipal Slaughterhouse.
- The equipping of the Fire Brigade.
- The network of kiosks designed by Francisco Bolonha, one of which remains at Bar do Parque.
- The renovation of the Municipal Forest.
- The construction of one and a half kilometers of Belém’s waterfront.
- The establishment of one of South America’s most important newspapers, A Província do Pará, in the capital of Pará.
To keep the memory of Antônio Lemos’s tragic ordeal alive, Carlos Rocque was well-prepared. He left Pará with the most significant contribution to local cultural journalism: two encyclopedias on Amazonian culture, as well as books on regional politics, Pará’s municipalities, the Cabanagem revolt, the Círio, and the Nazaré Festival. His finest work remains the definitive book on Magalhães Barata. Rocque also dedicated an entire book to Lemos’s newspaper, A Província do Pará.
By the 1970s, Rocque had been associated with A Província do Pará for nearly a decade, a connection that would last another 30 years until the newspaper ceased publication in the early 2000s. This gave him privileged access to its archives and photographic collections. Thus, it was no surprise when, in 1973, he published the most comprehensive study on Lemos, Antônio Lemos and His Era – Political History of Pará, a book prepared in just two months.
In this work, Rocque dismissed writers who praised Lemos to flatter him. He gave space to all criticisms made by Lemos’s detractors, who claimed Lemos incurred significant debts, rewarded those who gave him expensive birthday gifts with public positions and monopolies over public services, and maintained a group of enforcers. However, Rocque argued that, during Lemos’s leadership, Pará’s revenue quintupled. The monopolies did not necessarily harm Belém, and Lemos’s enemies likely had even more enforcers.
This last point was proven in 1912 when a coalition of political forces opposing Lemos’s leadership closed in on him. This group, determined to expel him from Pará after his terms as mayor had ended, was supported by Governor João Coelho—once Lemos’s trusted secretary for 12 years—new mayor Virgílio Mendonça, and the Anti-Lemos Resistance Center, led by César Coutinho de Oliveira.
Against Lemos, they launched a ferocious campaign, orchestrated by journalist Paulo Maranhão and sustained by four newspapers: Folha do Norte, O Estado do Pará, A Capital, and Critério. The campaign convinced much of Belém’s population that Lemos had ordered the assassination of a beloved former governor, Lauro Sodré. In reality, Sodré had been the target of a staged attack fabricated by Lemos’s enemies.
In the campaign to politically and physically destroy Lemos, his opponents organized a demonstration in front of A Província do Pará’s building, inciting an enraged mob to burn it down—which they did. The crowd was then led to Lemos’s residence on Rua Gentil Bittencourt, where they set fire to his house, destroying his personal belongings and artwork.
At 69 years old, Lemos was forced to seek refuge in a neighbor’s home. But he was dragged out and paraded through the streets—“with torn clothes, his head bare and covered in dirt,” as Rocque described in his book. He was groped, spat on, and shoved. Taken to Virgílio Mendonça’s residence, Lemos was coerced into resigning from his only remaining political position, state senator. After this, he could no longer remain in Pará.
As he boarded a ship to Rio de Janeiro, he was jeered. In Rio, Lemos lived for one more year, dying in 1913, consumed by depression. Even then, the hatred against him did not subside. His remains were only allowed to return to Belém 60 years after his death, in 1973, through an initiative by Mayor Nélio Lobato, supported by Governor Fernando Guilhon.
Carlos Rocque helped carry Lemos’s urn, as shown in a photograph accompanying this text, where he is marked by a circle. Ultimately, Lemos’s remains were laid to rest in the building where he served as mayor, now the Antônio Lemos Palace.
Rocque continued to ask questions about Lemos until his own death in 2000.
- Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
(Illustration: Rocque helps carry Lemos’s urn)
The post Belém destruiu seu melhor prefeito appeared first on Ver-o-Fato.