Em 2025, o mundo volta seus olhos para Belém, capital do Pará, que sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30. Mas, afinal, o que é a COP? Por que ela é tão importante para o mundo? E por que a realização dessa edição na Amazônia tem um peso simbólico e estratégico tão relevante? Para entender a dimensão desse evento histórico, é preciso voltar no tempo e conhecer a origem das conferências do clima e os marcos que moldaram a governança ambiental global.
O nascimento das COPs: uma resposta global às mudanças climáticas
As Conferências das Partes, conhecidas como COPs (do inglês ConferenceoftheParties), são encontros anuais organizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de negociar, revisar e fortalecer os esforços globais no combate às mudanças climáticas. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972 — marco inaugural da diplomacia ambiental global — questões ambientais começaram a ganhar, ainda que de maneira tímida, espaço nas agendas internacionais.
O evento-chave foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 — a famosa Rio-92 ou Eco-92. Na ocasião, 154 países assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), um tratado internacional que estabeleceu as bases legais e políticas para o enfrentamento das mudanças climáticas. No entanto, foi necessário um período de preparação para que todos os países organizassem suas estruturas institucionais e científicas antes da primeira reunião oficial, a COP1, realizada em Berlim apenas em 1995.
Objetivos e finalidades das COPs
As COPs têm como missão central impulsionar a ação climática global por meio de negociações entre os países signatários da UNFCCC. Seu propósito é garantir que os esforços coletivos sejam suficientes para limitar o aumento da temperatura média do planeta e conter os impactos das mudanças climáticas. Isso envolve tanto a redução das emissões de gases de efeito estufa — como dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxidos de nitrogênio — quanto o fortalecimento das capacidades de adaptação dos países a fenômenos como secas extremas, inundações, elevação do nível do mar e perda de biodiversidade.
Outro eixo fundamental das COPs é a promoção de justiça climática, por meio do financiamento de ações em países em desenvolvimento. As conferências funcionam como espaços estratégicos para revisar metas nacionais, acompanhar a implementação de acordos anteriores, incentivar o desenvolvimento tecnológico e ampliar a cooperação internacional.
Marcos históricos e resultados das COPs
Desde a COP1 no ano de 1995, em Berlim, as conferências geraram acordos e tratados que moldaram as políticas climáticas internacionais. Alguns dos principais momentos incluem:
• COP3 (1997, Kyoto, Japão): O Protocolo de Kyoto estabeleceu como meta global a redução de 5,2% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), com base nos níveis de 1990, no período de 2008 a 2012. As metas variavam por país: União Europeia (-8%), EUA (-7%) e Japão (-6%). No entanto, os Estados Unidos nunca ratificaram o tratado, alegando que ele isentava grandes emissores em desenvolvimento, como China e Índia, de compromissos obrigatórios. O Canadá, por sua vez, se retirou do acordo em 2011, ao perceber que não conseguiria cumprir sua meta. A União Europeia foi uma das poucas a atingir seus objetivos. Apesar de representar um marco legal, o tratado teve eficácia parcial e revelou os desafios de garantir adesão e cumprimento global.
• COP15 (2009, Copenhague, Dinamarca): A conferência gerou grande expectativa por um novo tratado global, mas profundas divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento impediram avanços legais. O resultado foi o “Acordo de Copenhague”, que reconheceu o limite de 2°C para o aquecimento global e estabeleceu o compromisso de mobilizar US$ 100 bilhões anuais para países em desenvolvimento até 2020. Contudo, o acordo não foi juridicamente vinculante. Atualmente, essa meta de financiamento ainda não foi plenamente cumprida, e muitos países enfrentam dificuldades para acessar os recursos devido a entraves burocráticos e falta de transparência.
• COP17 (2011, Durban, África do Sul): Foi criada a Plataforma de Durban, um processo de negociação com o objetivo de construir um novo acordo climático global com participação de todos os países. Essa iniciativa foi essencial para a futura formulação do Acordo de Paris. Embora tenha estabelecido uma base importante, os efeitos concretos da Plataforma só se materializariam anos depois, com a consolidação de um consenso mais amplo.
• COP21 (2015, Paris, França): O Acordo de Paris representou um divisor de águas. O tratado estabeleceu que os países devem manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC e buscar esforços para limitar a 1,5ºC até o final do século XXI, conforme indicado pela ciência climática. O acordo introduziu as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são compromissos voluntários revisados a cada cinco anos. Contudo, como não há sanções para metas não cumpridas, muitos países apresentam metas pouco ambiciosas. Relatórios recentes do IPCC mostram que, com as políticas atuais, o planeta caminha para um aquecimento entre 2,4°C e 2,8°C até o final do século, o que evidencia o desalinhamento entre o discurso e a ação climática.
• COP28 (2023, Dubai, Emirados Árabes Unidos): A principal inovação foi a conclusão do primeiro Balanço Global (Global Stocktake), que avaliou o progresso dos países em relação às metas do Acordo de Paris. O relatório foi claro: os esforços atuais são insuficientes para limitar o aquecimento a 1,5°C. Pela primeira vez, um documento final de COP mencionou diretamente a “transição para longe dos combustíveis fósseis”, embora sem definir um cronograma claro para eliminação. Também foi operacionalizado o Fundo para Perdas e Danos, destinado a apoiar países vulneráveis que já enfrentam impactos climáticos severos. No entanto, o volume de financiamento ainda é muito inferior às necessidades reais, e o texto final foi criticado por não exigir cortes mais rápidos e obrigatórios nas emissões globais.
Como funcionam as negociações durante a COP
As COPs funcionam como uma grande arena diplomática. As negociações são divididas em grupos de trabalho técnicos e políticos, que tratam de temas como mitigação, adaptação, perdas e danos, financiamento e transferência de tecnologia. A dinâmica envolve consultas informais, reuniões bilaterais e plenárias formais. Os textos das decisões são debatidos linha por linha, e qualquer país pode propor emendas ou objeções. Isso torna o processo complexo, especialmente quando é necessário alcançar consenso entre quase 200 países.
Além dos negociadores oficiais, participam representantes da sociedade civil, organizações indígenas, empresas, cientistas e instituições internacionais. Embora esses atores não tenham poder de voto, influenciam as discussões por meio de eventos paralelos, campanhas e articulações políticas. O Brasil costuma participar com uma delegação robusta, liderada pelo Itamaraty, em articulação com ministérios, estados e especialistas técnicos.
Temas centrais da COP30: Prioridades globais e ações locais
Os debates da COP30 se concentrarão em seis eixos estratégicos que buscam alinhar compromissos nacionais e soluções regionais a uma governança climática mais eficaz, justa e ambiciosa. Veja a seguir os temas centrais da conferência:
- Redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE)
Foco em acelerar a descarbonização global. Os países signatários do Acordo de Paris serão cobrados a apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais ambiciosas e alinhadas ao limite de 1,5°C, promovendo cortes reais nas emissões em setores-chave como energia, transporte e agricultura.
- Adaptação às mudanças climáticas
A COP30 buscará fortalecer os mecanismos de adaptação, especialmente para países mais vulneráveis, como os da região amazônica. O objetivo é ampliar políticas de proteção a populações em risco, infraestrutura resiliente, gestão de riscos e segurança hídrica e alimentar.
- Financiamento climático para países em desenvolvimento
A promessa de destinar US$ 100 bilhões anuais aos países em desenvolvimento estará no centro das negociações. A conferência debaterá mecanismos para assegurar que os recursos sejam disponibilizados de forma transparente, acessível e eficaz.
- Inovação em energia renovável e soluções de baixo carbono
A transição energética ganhará destaque com incentivos à energia solar, eólica, bioenergia e hidrogênio verde. Também estarão em pauta práticas de baixo carbono na agricultura, indústria e transporte, fundamentais para reduzir emissões em economias emergentes.
- Preservação de florestas e biodiversidade
A Amazônia será símbolo e centro das discussões sobre a proteção de florestas tropicais. Espera-se o avanço de políticas internacionais contra o desmatamento ilegal e o fortalecimento de mecanismos como REDD+, que remuneram pela conservação da vegetação nativa.
- Justiça climática e impactos sociais
As mudanças climáticas agravam desigualdades sociais, e a COP30 vai destacar soluções centradas nas populações mais afetadas. Entre os temas estarão a proteção de povos indígenas e comunidades tradicionais, segurança alimentar, saúde e participação popular na tomada de decisões.
Desafios atuais da governança climática global
A governança climática enfrenta hoje um cenário de profundas contradições. Embora haja consenso científico sobre a urgência da ação climática, os interesses econômicos e geopolíticos dificultam acordos ambiciosos. A dependência de combustíveis fósseis, especialmente em países exportadores de petróleo, e a relutância em cumprir metas mais rígidas de redução de emissões são entraves recorrentes.
Outro desafio é a assimetria na capacidade de ação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estes últimos precisam de financiamento, tecnologia e apoio institucional para implementar suas metas. A falta de mecanismos de responsabilização efetiva e sanções em caso de descumprimento dos acordos também enfraquece a eficácia do sistema multilateral. Em meio a esses desafios, a COP30 pode ser um ponto de virada, desde que consiga renovar o pacto global com base na solidariedade e na ciência.
O papel da sociedade civil e dos povos originários
A presença ativa da sociedade civil tem sido um dos grandes trunfos das COPs. Grupos ambientais, movimentos sociais, comunidades tradicionais e, sobretudo, povos originários, têm ampliado sua participação e contribuído com propostas concretas, denúncias de injustiças ambientais e visões alternativas de desenvolvimento. Nas últimas edições, lideranças indígenas ganharam visibilidade e conquistaram espaços formais dentro da estrutura das conferências.
Para além da representatividade, esses grupos têm pautado temas essenciais como justiça climática, direitos humanos, racismo ambiental e preservação de modos de vida ancestrais. A COP30, por ser realizada na Amazônia, deverá aprofundar esse protagonismo. A valorização da diversidade de vozes é fundamental para garantir decisões mais justas, eficazes e legítimas.
Oportunidades Estratégicas da COP30 para o Brasil e a Amazônia
Sediar a COP30 em Belém é uma oportunidade histórica para o Brasil reafirmar sua liderança climática global. O país poderá usar o evento como plataforma para promover uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, pautada na valorização da sociobiodiversidade, na restauração florestal, no fortalecimento da bioeconomia e na descarbonização da agricultura. A realização da conferência na Amazônia coloca os biomas tropicais no centro do debate climático, reconhecendo seu papel crucial no equilíbrio do planeta.
A presença de milhares de lideranças internacionais na região pode catalisar investimentos, acordos de cooperação e transferência de tecnologias sustentáveis. Para além da visibilidade, o Brasil tem a chance de apresentar compromissos concretos com a preservação da floresta, o respeito aos povos originários e a construção de uma economia verde. Será também o momento de avaliação do Global Stocktake do Acordo de Paris, podendo impulsionar novos compromissos climáticos. A COP30, realizada em território amazônico, será um marco político e simbólico: um chamado global à ação imediata pela proteção da maior floresta tropical do mundo.
Como acompanhar e participar da COP30
Mesmo sem participar presencialmente, é possível acompanhar a COP30 por meio de canais oficiais da UNFCCC, do governo federal e do governo do Pará. Durante o evento, serão disponibilizadas transmissões ao vivo das sessões plenárias e eventos paralelos. Plataformas digitais também devem reunir conteúdos em tempo real, com resumos, entrevistas e análises.
Além disso, diversos espaços da cidade de Belém sediarão programações abertas ao público, como a “COP dos Povos”, debates em universidades, feiras de inovação e exposições culturais. Participar desses eventos é uma forma de se engajar, ampliar o conhecimento sobre mudanças climáticas e influenciar políticas públicas a partir da mobilização local.
Glossário das COPs e termos essenciais
- COP (Conference of the Parties): Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
- UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change): Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, firmada na Rio-92.
- NDCs (Nationally Determined Contributions): Compromissos climáticos voluntários assumidos por cada país para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
- Mitigação: Conjunto de ações voltadas à redução ou prevenção das emissões de gases de efeito estufa.
- Adaptação: Estratégias e políticas para lidar com os efeitos adversos das mudanças climáticas já em curso.
- Perdas e danos (Loss and Damage): Instrumento para compensar países vulneráveis por impactos climáticos irreversíveis.
- Neutralidade de carbono (Net zero): Situação em que as emissões de gases de efeito estufa são equilibradas por remoções equivalentes da atmosfera.
- Mercado de carbono: Sistema de compra e venda de créditos de carbono entre países ou empresas que reduziram emissões além do exigido.
- Justiça climática: Princípio que busca distribuir de forma equitativa os encargos e benefícios da ação climática, considerando desigualdades históricas.
- Descarbonização: Redução gradual do uso de fontes de energia baseadas em carbono (como petróleo, carvão e gás natural).
- Sociobiodiversidade: Conjunto de relações entre biodiversidade e saberes/tradições culturais de povos e comunidades.
- Governança climática: Estrutura institucional e política que regula a cooperação internacional em torno das mudanças climáticas.
- Global Stocktake: Processo periódico de avaliação coletiva dos progressos rumo às metas do Acordo de Paris.
* Roberta Mendes é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), com MBA em Gestão Ambiental e Manejo Florestal. Consultora Ambiental e Florestal, possui experiência em certificação de créditos de carbono, regularização ambiental e fundiária, manejo florestal e recuperação de áreas degradadas. Atuou em projetos de reflorestamento, inventário florestal e georreferenciamento, além de gerenciamento de operações de colheita e logística florestal.
Referências
- IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Relatórios de Avaliação. Acesso em mai. 2025.
- UNFCCC – United Nations Framework Convention onClimateChange. Site oficial da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Acesso em mai. 2025.
- United Nations. United NationsConferenceonEnvironmentandDevelopment (UNCED), Rio de Janeiro, Brazil, 3-14 June 1992. Disponível em: https://www.un.org/en/conferences/environment/rio1992
- United Nations. United NationsConferenceontheHumanEnvironment, Stockholm 1972. Disponível em: https://www.un.org/en/conferences/environment/stockholm1972
- Observatório do Clima. Entenda o que são as COPs e como funcionam. Disponível em: https://www.oc.eco.br/cop/
- ClimateActionTracker. WarmingProjections Global Update – September 2023. Disponível em: https://climateactiontracker.org
- DW Brasil. COP26 aprova pacto climático de Glasgow, mas metas ainda são insuficientes, nov. 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/cop26-aprova-pacto-clim%C3%A1tico-de-glasgow-mas-metas-ainda-s%C3%A3o-insuficientes/a-59810641
- Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Brasil). Brasil na COP: ações e compromissos nacionais. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/cop
- Instituto Socioambiental (ISA). Participação indígena nas COPs: caminhos e desafios. Disponível em: https://www.socioambiental.org/
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