Fraude no INSS: em quase 5 anos, número de descontos aumentou 250%; repasses subiram 650%


No auge, associações acumularam quase 8 milhões de associados e receberam mais de R$ 300 milhões mensais em repasses. Biometria freou avanço de novos descontos. Prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Entidades de aposentados e pensionistas aumentaram em 2,5 vezes a quantidade de descontos sobre aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os dados são do próprio instituto, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Além disso, os repasses financeiros no mesmo período aumentaram 6,5 vezes.
Investigação deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) no mês passado revelou que, pelo menos desde 2019, associações vinculadas ao INSS descontavam parte dos benefícios de aposentados e pensionistas — a título de oferecer algum serviço —, mas sem ter a autorização da pessoa.
O esquema pode ter desviado R$ 6 bilhões, de acordo com a PF.
Na resposta à LAI, o órgão justificou que possui dados com a quantidade de descontos realizados apenas a partir de março de 2020 e não do período completo em que os descontos eram realizados – pelo menos, desde 2014.
No começo da série histórica, em março de 2020, as associações tinham 2 milhões de beneficiários com descontos. Três em cada quatro (75%) vinham da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que tinha 1,5 milhão de associados.
Ao longo do tempo, as variações foram se acumulando ao ponto de em abril de 2024, a base total de descontos das entidades ter chegado a quase 8 milhões de pessoas.
No fim da tarde desta segunda-feira (19), o INSS afirmou que 1,6 milhões de pessoas já solicitaram o reembolso de valores descontados sem autorização em suas aposentadorias e pensões.
Auditoria da CGU
Uma auditoria da CGU aponta que, entre 2020 e 2024, houve pelo menos 42 momentos em que uma associação incluiu, em um único mês, pelo menos 50 mil descontos na base.
“Estimando-se a quantidade de filiações/autorizações diárias (considerando 20 dias por mês), e a quantidade de filiações/autorizações por hora (considerando um regime de 8 horas de trabalho diários), para essas dez entidades, seria necessário realizar entre 778 e 1.569 filiações por hora”, analisou a CGU.
Além disso, a Controladoria ainda aponta que as entidades analisadas não conseguiram demonstrar capacidade operacional “compatível” com o serviço prestado.
“Mesmo que os pedidos de filiação e as autorizações de efetivação de desconto de mensalidade associativa em folha de pagamentos fossem realizados via eletrônica, haveria a necessidade de conferir a documentação enviada e suporte para a realização dos descontos, assim como dispor de equipe para tirar dúvidas de beneficiários, aspectos para os quais não se identificou que tenha havido comprovação pelas entidades, tampouco que tenham sido efetivamente avaliados pelo INSS”, finalizou o relatório.
Picos de variações
Os dados apresentados pelo INSS demonstram que com o passar do tempo, nos últimos anos, as entidades e associações descobriram uma “galinha dos ovos de ouro” nos descontos diretos em folha.
No primeiro mês em que os dados foram disponibilizados, apenas 10 associações praticavam o desconto de participação. Em janeiro de 2025, o número tinha saltado para 37 entidades de aposentados e pensionistas.
O valor, que em março de 2020 era de R$ 40.499.490,23, saltou para R$ 306.853.786,65 em janeiro de 2025 – 6,5 vezes maior.
A mesma variação exponencial acontece com o valor anual do período. Enquanto em 2020 as entidades receberam, entre março e dezembro, R$ 412 milhões, no mesmo período de 2024 os descontos renderam R$ 2,9 bilhões.
O descontrole no cadastro de novos associados foi tão grande que, em março de 2024 as entidades tiveram um registro de 796,6 mil novos beneficiários cadastrados – um número jamais alcançado antes ou depois dessa data.
Biometria
Apesar de ter sido burlada após a sua instituição, a biometria ainda teve um papel importante na redução do quantitativo de descontos obtidos pelas associações, numa movimentação inversamente proporcional ao das receitas que entravam pelos cofres e que mantinham uma tendência de aumento.
Em março de 2024 o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, demitido após Operação Sem Desconto, assinou uma instrução normativa.
O texto obrigada que todos os cadastros de desconto, a partir de 2021, contivessem assinatura digital e biometria facial dos participantes.
Com isso, entre abril de 2024 (pico do número de cadastrados) e janeiro de 2025, as associações encolheram em quase um milhão de associados.
A redução foi de de 922.913 associados, 11,5% da base total no auge do suposto esquema. E mesmo com as tentativas dos servidores do INSS em buscar alternativas para driblar o regulamento, a tecnologia conseguiu agir em prol dos beneficiados.
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