Por volta das 6h30 da manhã de 29 de novembro de 2021, Nicole Miquilini, então com 19 anos, tentou se levantar do sofá para ir dormir. Sentia-se tonta, com a visão turva. “Levantei do sofá e caí. Tentei ficar de pé mais duas vezes e não consegui. Agarrei uma almofada que estava em cima do sofá, coloquei no chão e decidi dormir ali mesmo”, lembra.
Na noite anterior, havia maratonado uma série após realizar a segunda prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Moradora de São Paulo, Nicole recebeu os pais, que vivem em Cajati, no interior do estado, para acompanhá-la durante o vestibular. Após a prova, enquanto a família descansava, ela seguiu acordada até o amanhecer.
No momento em que deitou no chão, algo parecia errado. “Na minha cabeça, parecia um pensamento bastante lógico dormir ali. Mas comecei a chorar porque minha cabeça estava confusa e eu não conseguia dormir”, conta.
Quando o irmão acordou, tentou levá-la até a cama. Foi nesse momento que perceberam que ela não conseguia mais falar. Ele então acionou os pais e buscou ajuda com funcionários da escola ao lado de casa, que rapidamente chamaram uma ambulância. Ao ser colocada na maca, Nicole perdeu a consciência.
Diagnóstico surpreendente
Horas depois, a estudante acordou na enfermaria de um hospital. Ao longe, viu seus pais conversando com um médico. “Vi minha mãe desmaiar ao ouvir que eu tinha tido um AVC. Me perguntei por que ela desmaiou se eu só estava passando mal. Não conseguia assimilar”, relata.
Nicole havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral isquêmico, causado por obstrução do fluxo sanguíneo em uma artéria cerebral. Foi submetida a uma trombectomia de emergência para remoção dos coágulos. Quando despertou na UTI, ainda sem compreender o que acontecia, notou a gravidade da situação. “Percebi que não sentia a parte direita do meu corpo, desde abaixo do nariz até os pés. Percebi também que não conseguia falar. Eu entendia o que os outros diziam, mas não me expressava”, lembra.
No quarto dia de internação, veio a confirmação do diagnóstico. Ela iniciou fisioterapia e fonoaudiologia ainda no hospital, além de uma extensa bateria de exames para tentar entender o motivo do AVC. Até hoje, a causa permanece um mistério.
Uma longa jornada de recuperação
Nicole passou 14 dias na UTI – sete em estado gravíssimo e outros sete em estado estável. No 15º dia, foi transferida para o quarto, onde permaneceu até o 26º dia de internação. Recebeu alta em 24 de dezembro. Poucos dias depois, em 1º de janeiro de 2022, iniciou a reabilitação em um hospital particular de São Paulo.
“Era todos os dias, de segunda a sexta. Eu fazia fisioterapia e depois terapia ocupacional direto. Quando comecei a reabilitação, pensei que nunca mais voltaria a dançar, algo que faço desde os dois anos. Lá, eles me fizeram acreditar que era possível”, conta emocionada.
O trabalho diário permitiu que Nicole recuperasse movimentos básicos, voltasse a dançar por lazer, nadar e até jogar futvôlei. Ao mesmo tempo, ingressou na faculdade de medicina, intensificando ainda mais a rotina para acompanhar as demandas do curso.
“Atualmente, eu faço reabilitação para basicamente as mesmas coisas de SP, mas muito mais leve. Principalmente em relação à mão direita, a fisio faz eu reproduzir o que preciso nas aulas práticas para vermos onde preciso focar”, afirma.
O que é o AVC isquêmico e por que ele afeta tantos jovens?
Segundo especialistas, os sintomas de um AVC isquêmico variam conforme a região cerebral atingida, mas entre os mais comuns estão: perda de sensibilidade e força em um lado do corpo, fala enrolada, dificuldade para compreender ou se expressar, perda parcial da visão, tontura persistente e rebaixamento do nível de consciência. Embora não seja típico, a dor de cabeça também pode ocorrer.
O neurologista Marcelo Lima explica que os principais fatores de risco são cardiovasculares e incluem má alimentação, sedentarismo, pressão alta, diabetes e tabagismo. “Levando em conta que as principais causas do AVC são fatores cardiovasculares, um estilo de vida saudável é a melhor forma de prevenção”, afirma.
Lima alerta ainda para a importância do sono. “A apneia do sono é um fator de risco cardiovascular, pré-dispõe eventos como infartos cardíacos e AVCs. Ela merece ser investigada e tratada, principalmente quando grave”, complementa.
O caso de Nicole não é isolado. Dados do DataSUS mostram que entre 1998 e 2007, as internações por AVC aumentaram 64% entre homens e 41% entre mulheres de 15 a 34 anos. Entre 2000 e 2010, 62 mil brasileiros com menos de 45 anos morreram em decorrência da condição.
O aumento de casos em jovens está relacionado a fatores como dieta rica em ultraprocessados e rotinas estressantes. “Temos também uma rotina bem intensa. Não é todo mundo que consegue manter uma atividade física regular. Além disso, subestimamos a importância de uma noite de sono, para permitir a recuperação do corpo”, analisa Lima.
Um novo capítulo
Três anos após o episódio, Nicole segue determinada. Continua sua reabilitação e os estudos na faculdade de medicina com um propósito renovado: “Hoje, entendo a importância de um diagnóstico rápido, de uma equipe atenta e da persistência na recuperação. Quero ser médica para estar do outro lado e ajudar outros a atravessar momentos como o que vivi.”
Do Ver-o-Fato, com informações do G1
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