Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal The Moscow Times
Por Elena Davlikanov
Na última segunda-feira (19), o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente russo, Vladimir Putin, mantiveram uma conversa telefônica direta para discutir as perspectivas de pôr fim à guerra não provocada da Rússia contra a Ucrânia. Trump afirmou que a Rússia e a Ucrânia concordaram em iniciar negociações para um cessar-fogo e que há uma “tremenda oportunidade” para o país negociar com os EUA.
No entanto, nem todos estão tão ansiosos para receber a Rússia de volta à comunidade internacional.
No mesmo dia em que a Rússia comemorou o Dia da Vitória com desfiles militares em 9 de maio, ministros das Relações Exteriores europeus se reuniram em Lviv para aprovar a criação de um Tribunal Especial para o crime de agressão contra a Ucrânia.
Cinco dias depois, o órgão decisório do Conselho da Europa tomou medidas formais para avançar com a criação do tribunal. Atendendo a um pedido formal do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o secretário-geral do Conselho, Alain Berset, foi incumbido de liderar o processo. Isso marca um avanço significativo nos esforços internacionais para responsabilizar a Rússia por suas ações na Ucrânia.
O tribunal não substituirá o Tribunal Penal Internacional (TPI), que já emitiu um mandado de prisão contra Putin pela deportação de crianças ucranianas. Em vez disso, visa preencher uma lacuna que o TPI não pode preencher, pois sua infraestrutura jurídica atual é insuficiente para processar chefes de Estado em exercício por violarem a Carta da ONU com o crime de agressão.
Embora grande parte da discussão em torno do tribunal tenha se concentrado na responsabilização, na dissuasão e na tentativa de restaurar o respeito ao direito internacional, suas implicações para a Rússia podem ser igualmente importantes.

Processar a liderança russa não se trata apenas de punição. Pode oferecer ao país a chance de romper com um ciclo de impunidade que moldou sua história moderna. Sem abordar a cultura política que permite guerras de conquista, repressão e construção de mitos, a Rússia provavelmente reproduzirá os mesmos padrões, com novas vítimas em casa e no exterior.
A organização de direitos humanos Memorial — agora proibida na Rússia, mas ainda ativa no exterior — já reconheceu um de seus próprios pontos cegos históricos: não exigir que os perpetradores das atrocidades da era soviética sejam responsabilizados por seus crimes após 1991. Essa omissão, argumentou a Memorial, contribuiu para o retorno do autoritarismo e da violência estatal na era pós-soviética.
O regime atual constrói sua legitimidade com base em narrativas de grandeza histórica e ressentimento, particularmente em torno da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial. Ao reabilitar o stalinismo e enquadrar os conflitos modernos em termos de “antinazismo”, o Kremlin utilizou a história e a memória da agressão nazista como armas para encobrir suas ações com a justificativa de defender a civilização russa.
Um tribunal não apenas documentaria crimes, mas também moldaria o discurso público dentro e fora da Rússia. Os Julgamentos de Nuremberg não eliminaram o fascismo na Alemanha. Mas ajudaram a desacreditá-lo. Um tribunal para o crime de agressão poderia iniciar debates semelhantes na Rússia em torno dos custos do império, do papel dos líderes políticos e do significado da responsabilidade nacional.
Isso é particularmente vital quando restam poucos espaços para discussão aberta na Rússia. A mídia independente é suprimida, a dissidência é criminalizada e a sociedade civil está fragmentada. Mas a memória, como demonstra a história russa, tem uma longa meia-vida. Um tribunal pode não produzir mudanças da noite para o dia. Mas pode plantar as sementes para uma reavaliação a longo prazo.
Para o futuro da Rússia, examinar seu passado é importante. Uma sociedade que nunca discute como as guerras começam ou como são permitidas a continuar é uma sociedade condenada a repetir um ciclo de violência. Levar altos funcionários à justiça por terem iniciado a guerra na Ucrânia pode servir não apenas como um aviso para futuros agressores, mas também como um mecanismo de proteção para a própria Rússia. Ajudaria a desmantelar a ideia de que a grandeza se mede pela destruição e pela opressão e reafirmaria o princípio de que o poder deve responder à lei.
Deixar a liderança russa impune confirmaria o precedente de que guerras agressivas podem ser travadas sem consequências, enquanto um líder forte está acima da lei. Isso encorajaria não apenas Moscou, mas também outros Estados revisionistas que percebem a impotência da comunidade internacional para punir violações flagrantes da soberania e dos direitos humanos.
Se o telefonema entre Trump e Putin resultar em um futuro encontro pessoal, poderá marcar uma mudança no cenário diplomático. Mas, sem um caminho paralelo para a justiça, a paz, se vier, estará em terreno frágil.
O tribunal pode não apenas contribuir para salvar a Ucrânia. Pode também ajudar a salvar a Rússia.
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