Como o Vale do Silício quer conquistar o mercado de defesa dos EUA

Empresas de capital de risco, que há anos investem em startups de defesa nos EUA, agora, direcionam suas atenções para Israel, aplicando recursos em companhias de tecnologia militar que surgiram após os conflitos em Gaza e no Líbano.

A estratégia de investir em empresas israelenses parte da convicção de que elas terão cada vez mais oportunidades de disputar contratos tanto nos EUA quanto em países europeus, onde os gastos com defesa tendem a crescer nos próximos anos.

Um exemplo disso é a startup Kela, que, recentemente, atraiu aportes de dois dos maiores fundos de capital de risco dos EUA dedicados ao setor de defesa – além do investimento do braço de capital da CIA.

David Cahn, da Sequoia Capital, responsável por financiar toda a rodada inicial da Kela, afirmou ao The Wall Street Journal: “Esta é a primeira grande aposta de venture capital em Israel.” Em seguida, a Lux Capital participou da rodada Série A, elevando o montante total arrecadado pela empresa para US$ 39 milhões (R$ 171,22 milhões, na conversão direta).

O produto da Kela não é uma arma convencional, como drones ou mísseis, mas um software capaz de integrar tecnologias comerciais e militares para aplicações como a defesa de fronteiras.

Equipe da Kela
Startup israelense Kela fornece software para aplicações, como defesa de fronteiras; seus fundadores incluem, da esquerda: Jason Manne, Hamutal Meridor, Alon Dror e Omer Bar-Ilan (Imagem: Divulgação/KELA)

Esse sistema representa apenas o começo dos planos da companhia, que ambiciona disputar contratos para desenvolver e integrar sistemas de armamentos mais complexos, conforme explica a cofundadora e presidente Hamutal Meridor. “Fora de Israel, nos EUA e na Europa, nosso foco serão os grandes programas”, afirmou.

Vale do Silício aposta em startups israelenses para chegar no mercado de defesa dos EUA

  • Enquanto Israel espera que haja fluxo maior de investimentos significativos no setor de tecnologia de defesa – atualmente dominado por gigantes, como Elbit Systems, Israel Aerospace Industries e Rafael Advanced Defense Systems –, o país já sediou, em dezembro, seu primeiro summit de defesa tecnológica. O evento, organizado pelo Ministério da Defesa e pela Universidade de Tel Aviv, reuniu investidores, empresas e autoridades governamentais;
  • Lorne Abony, da Texas Venture Partners, destacou no encontro que “vivemos um renascimento na tecnologia de defesa que se encaixa perfeitamente no ecossistema que temos em Israel”;
  • A empresa de Abony, lançada no ano passado com US$ 50 milhões (R$ 285,38 milhões), tem como objetivo investir em firmas de defesa israelenses;
  • Mesmo sendo novas no mercado, as startups israelenses de defesa contam com histórico tecnológico de excelência. “A chance de se criar um unicórnio tecnológico por meio de um investimento em Israel é cinco vezes e meia maior do que com um investimento nos EUA”, ressalta Abony, que, vale notar, não investiu na Kela.

Por sua vez, as startups de defesa estadunidenses já ganham destaque na administração do presidente Donald Trump. Elon Musk, CEO da SpaceX – também um importante contratante de defesa – está à frente do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês).

Além disso, a mudança de foco do Pentágono para novas tecnologias tem impulsionado empresas apoiadas no Vale do Silício, como a Palantir Technologies – cuja ação disparou após a última eleição presidencial – e a Anduril Industries, que se prepara para fechar sua última rodada de investimentos com avaliação de US$ 28 bilhões (R$ 159,81 bilhões).

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Aposta estratégica

Os fundos de capital de risco estadunidenses não são estranhos ao ecossistema de startups israelenses. Empresas de cibersegurança – muitas fundadas por ex-integrantes da renomada Unidade 8200já se beneficiaram dos aportes do Vale do Silício. Além disso, Israel possui diversas startups de drones, como a Xtend, cujos veículos aéreos não tripulados já foram empregados pelo exército israelense em Gaza.

A Startup Nation Central, organização sem fins lucrativos sediada em Tel Aviv (Israel), acompanha mais de 300 empresas israelenses que atuam no setor de defesa, número que dobrou em relação ao ano anterior, segundo seu CEO, Avi Hasson.

Para Hasson, o investimento expressivo na Kela demonstra a confiança dos investidores no potencial das startups israelenses de defesa. “É uma aposta estratégica tanto no mercado quanto nos empreendedores e no setor”, afirmou.

Contudo, as startups dos EUA, que conquistam apenas cerca de 1% dos contratos do Departamento de Defesa, enfrentam batalha difícil para competir com os cinco maiores grupos de defesa estadunidenses.

O desafio para uma empresa israelense adentrar o mercado do Pentágono pode ser ainda maior. Raj Shah, da Shield Capital, comenta que “há grande e crescente montante de recursos de venture capital investindo no fato de que os governos estão ampliando os gastos com defesa – e, mais importante, direcionando esses recursos para novas startups. A dúvida é se o Pentágono vai comprar de empresas não estadunidenses. Ainda não sabemos a resposta para isso”, ponderou.

A abordagem da Kela segue linha semelhante à adotada pela Palantir em seus primeiros anos, quando a empresa expandiu sua base de clientes com “engenheiros de software destacados que operavam junto aos soldados, em locais, como o Afeganistão”.

De forma análoga, a Kela promove seus engenheiros como “tecnoguerreiros” – profissionais que combinam expertise técnica com experiência em combate, capazes de compartilhar aprendizados adquiridos no campo de batalha com clientes dos EUA e da Europa.

As semelhanças com a Palantir não são por acaso. Hamutal Meridor, que já atuou como gerente geral da Palantir em Israel, utiliza retórica similar à do CEO da Palantir, Alex Karp, que costuma descrever a missão de sua empresa de forma quase messiânica, como uma luta para “salvar o Ocidente”.

“A criação da Kela está fortemente ligada ao 7 de outubro, obviamente. E percebemos que o Ocidente ainda vive sob a sombra do 6 de outubro. Sentimos que nossa missão é evitar que o Ocidente enfrente um novo 7 de outubro”, declarou Meridor.

Uma série de prédios vistos de baixo para cima
Vale do Silício vê startups israelenses com bons olhos (Imagem: PHOTOGRAPHY IS ON/Shutterstock)

Alon Dror, CEO e cofundador da Kela, conta que a empresa se apoia intensamente na experiência de combate adquirida por Israel após o 7 de outubro. Ele relembrou que, na véspera de uma operação terrestre contra o Hezbollah no Líbano, circulou entre os pelotões para contar equipamentos – constatando que cada comandante de pelotão ou companhia dispunha de apenas alguns óculos de visão noturna.

Em contraste, as forças do Hezbollah possuíam um par de óculos para cada combatente, adquiridos online, o que, segundo Dror, “é surpreendente”. Dror ressaltou que a plataforma de software da Kela foi desenvolvida para permitir a integração de tecnologias comerciais e militares, como óculos de visão noturna, sensores e inteligência artificial (IA).

Brandon Reeves, sócio da Lux Capital, enfatiza que a experiência militar dos colaboradores da Kela é um diferencial decisivo. Ele observa que, entre os engenheiros das cinco maiores empresas de defesa dos EUA, a participação em combates é praticamente inexistente – enquanto, na Kela, essa característica se aproxima de 100%, “é uma DNA totalmente diferente.”

Clayton Williams, diretor da filial do Reino Unido da IQT (braço de capital de risco da CIA, anteriormente conhecido como In-Q-Tel), destacou que seu investimento na Kela se deu exatamente por conta desse tipo de vivência. “Empresas que aprendem diretamente dos campos de batalha e recebem feedback das linhas de frente estão evoluindo suas tecnologias a uma velocidade que, pessoalmente, nunca vi antes”, afirmou Williams.

Embora a IQT já tenha realizado outros investimentos em Israel, a Kela representa sua primeira participação direta em uma startup israelense voltada especificamente para o mercado militar. Apesar de seu aporte ser inferior aos feitos pela Sequoia e pela Lux, o selo de aprovação de um investimento da CIA tem ajudado outras empresas – como a Palantir – a entrar no setor de defesa. “Nós abrimos portas”, concluiu Williams.

Até mesmo os defensores das startups israelenses de defesa, como Abony, reconhecem que empresas bem-sucedidas em áreas, como cibersegurança e biotecnologia, muitas vezes, não estão preparadas para vender ao Pentágono.

A firma de Abony trabalha em estreita colaboração com companhias israelenses para aprimorar suas apresentações ao Departamento de Defesa dos EUA. “Chegamos a essa conclusão após observar diversas empresas investidas – ou potenciais investimentos – tentando apresentar propostas ao Departamento de Defesa e, francamente, foram péssimas. Não voltaremos a vê-las”, afirmou.

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