A reforma do Código Civil é desastrosa

A título de modernizar a legislação, o projeto ora em tramitação não é apenas falho, mas prejudicial ao País. Aumenta a insegurança jurídica, a litigiosidade, o arbítrio e o custo Brasil. É o que diz editorial do jornal O Estado de São Paulo. Leia, abaixo:

“Tramita no Senado o projeto de lei de reforma do Código Civil (CC) – o PL 4/2025 – que, sob o pretexto de modernizar a legislação civil e adaptá-la à realidade do século 21, é um completo retrocesso civil e democrático. De autoria de uma comissão de juristas e apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco, a proposta é extensa. Prevê a alteração de 1.197 artigos do CC, o que representa mais mudanças do que aquelas realizadas entre o CC de 1916 e o de 2002. No entanto, mais extensos e profundos são também seus problemas de forma e de conteúdo.

Chama a atenção no PL 4/2025, em primeiro lugar, o excesso de linguagem indeterminada, transferindo na prática o poder de legislar – isto é, de determinar o conteúdo das normas jurídicas – aos juízes. A má redação dos artigos não é mera falha técnica, o que já seria inescusável em uma alteração da lei fundamental das relações privadas, mas produz um verdadeiro déficit democrático.

Se a proposta em tramitação for aprovada, os critérios decisórios do marco jurídico civil, que em tese deveriam ser estabelecidos pelo Legislativo – pois esse é o modo de funcionamento de um regime democrático –, passarão a ser arbitrados por cada intérprete da lei, o que fere a própria ideia de Estado Democrático de Direito.

Como este jornal sempre defendeu, a República é um regime de leis. E o mesmo se deve dizer da democracia: o regime democrático é uma democracia de direito. Não existe democracia do arbítrio, ou no arbítrio. Por isso, o Direito não pode se dar ao luxo de ser inseguro, destituído de critérios previamente cognoscíveis que orientem a aplicação de suas regras. Os cidadãos devem saber o que esperar das normas legais.

Sem regras aplicáveis segundo critérios anteriormente estabelecidos, não há democracia. Há o arbítrio da subjetividade – e isso é o que, infelizmente, faz o PL 4/2025, ao multiplicar os conceitos indeterminados.

O texto diz, por exemplo, que “a cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito”. Ora, tal previsão significa instaurar, de forma solene e intencional, um novo ciclo de incertezas e de litígios, do que com toda a certeza o País não necessita agora.

Segundo levantamento do professor Paulo Doron de Araujo, o PL 4/2025 aumenta em 450% as referências à função social do contrato e da propriedade. Trata-se de um sintoma, entre tantos outros, de um perverso e disfuncional populismo jurídico. Promete-se proteger os setores vulneráveis da população e combater as “elites” e as empresas, sendo que o resultado é a difusão sistêmica de velhos e novos danos: aumento da insegurança jurídica, da litigiosidade, do arbítrio e do custo Brasil.

Outro grave problema do PL 4/2025 é a confusão entre o CC e o direito do consumidor. A ter em conta alguns dispositivos da proposta, parece que o País não dispõe de um Código de Defesa do Consumidor e de que seria preciso incluir normas próprias desse regime no CC, em uma nova ampliação de hipóteses de intervenção judicial dos contratos, gerando, consequentemente, mais insegurança.

O campo da responsabilidade civil é outra seara na qual o PL 4/2025 expressa seu furor populista e retrógrado. Em vez de reparar o dano ilícito – como sempre foi –, o dever de indenizar ganhará novas funções, como punir, prevenir, educar e socializar o risco. São mais de 100 novas regras sobre o tema, alterando os atuais 28 artigos.

Não há como salvar esse projeto de reforma do CC. Ele não é apenas falho, mas prejudicial ao País. Não vem construir a partir do que já se tem, mas destruir o que foi arduamente estabelecido e que ainda está em processo de estabilização. Diante das severas críticas recebidas, a comissão autora da proposta tem dito que a maior parte das mudanças baseia-se na jurisprudência.

Talvez aqui esteja o principal problema. Não entenderam a função da lei numa democracia. Em vez de ser a lei a prover critério seguro à sociedade e ao Judiciário, querem escrevê-la a partir de uma miríade de decisões contraditórias. Não é de estranhar que o texto tenha ficado do jeito que está.”

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